domingo, 9 de janeiro de 2011

Mosaicos do Brasil

MOSAICOS DO BRASIL, apresentados por Gougon, jornalista, mosaicólogo

Calçadas de pedras portuguesas em Copacabana
fonte: mosaicosdobrasil.tripoid.com

Abaixo, foto clássica de autor desconhecido no dia 5 de julho de 1922. Mostra os 18 oficiais do Forte de Copacabana marchando em direção a morte. Repare na calçada: já existia desde 1906. As curvas eram perpendiculares ao movimento das ondas ... diferentemente de hoje.

                                                 MARCHA DOS 18 DO FORTE, IMAGEM HISTÓRICA     


A chegada da pedra portuguesa ao Brasil


Abaixo, reprodução colorizada da foto dos 18 do Forte (5 DE JULHO DE 1922).
REPRODUÇÃO DA MARCHA DOS 18 DO FORTE

OBRA ENCONTRA-SE NO INTERIOR DO FORTE DE COPACABANA

No Brasil, a escolha de Pereira Passos para prefeito do Rio de Janeiro no alvorecer do Século XX veio abrir um novo ciclo de desenvolvimento urbano para a cidade. Já era um homem septuagenário, havia estudado em Paris, onde bebeu da experiência revolucionária que Haussmann empreendera na cidade, após a derrota da Comuna, rasgando avenidas majestosas e dando à capital francesa a feição que guarda ainda hoje. Conhecido como o "bota abaixo", Pereira Passos arrasou com o morro do Castelo, pondo por terra cerca de 600 casas e rasgando a fórceps a chamada Avenida Central, em 1905, que seria rebatizada de Avenida Rio Branco, dois dias depois da morte do Barão, em 1912.


OBSERVE NOVAMENTE: ESTA FOTO AQUI É DE 1929 E AS ONDAS CONTINUAM PERPENDICULARES AO MAR, MAS POUCO DEPOIS, APÓS UMA GRANDE RESSACA QUE DESTRUIU GRANDE PARTE DA CALÇADA, ELA FINALMENTE FOI REFORMADA, GANHANDO O SENTIDO PARALELO AO MAR (VEJA MAIS ABAIXO), QUE BURLE MARX MANTEVE NA REFORMA DOS ANOS 70, APENAS SENSUALIZANDO AINDA MAIS O DESENHO ORIGINAL DOS CALCETEIROS PORTUGUESES

                                                       calçada de COPACABANA até 1929

Para calçar a nova Avenida, fez vir de Portugal um grupo de calceteiros portugueses e, também, as pedras portuguesas (calcáreo branco e basalto negro). A quantidade era enorme e, além de calçar toda a Avenida, com desenhos variados, conforme o local onde era aplicado, as pedras ainda foram calçar, em 1906, a Avenida Atlântica, construída também por sua iniciativa, viabilizando os bairros de Copacabana e do Leme através da abertura do túnel do Leme no início daquele ano.


Pereira Passos foi o grande modernizador da cidade do Rio de Janeiro. Deve-se a ele, igualmente, a decisão de construir o Teatro Municipal, uma reprodução menor do Teatro da Ópera de Paris, onde buscou inspiração e até obras dos artistas que a ornamentaram, como foi o caso do atelier parisiense do mosaicista Gian Domenico Facchinna, o grande italiano da região do Frioul, a quem a História deve a invenção do mosaico de colocação indireta. Mas esta é outra história para outro capítulo, a ser contada depois com mais detalhes.

As importações de pedras portuguesas efetuadas por Pereira Passos nunca mais se repetiram. Logo foram identificadas enormes jazidas próximas ao Rio de Janeiro, mas a denominação das pedras ficou. Hoje, suas extrações são variadas e espalhadas por todo o país, mas é de se destacar o Paraná como um dos maiores fornecedores.

Copacabana, o desenho das ondas, imitando o mar, ficou para sempre com a cara do bairro, tornando-se um logotipo internacional. O desenho foi trazido pelos calceteiros portugueses, mas não tinha então a volúpia curvilínea que se nota hoje. Um bom testemunho é a foto, muito divulgada desde 1922, retratando a marcha dos 18 do Forte que no dia 5 de Julho daquele ano rebelaram-se contra o governo e fizeram um pacto de morte, enfrentando as forças legalistas infinitamente mais numerosas e mais equipadas. Do movimento, sobreviveram apenas dois oficiais, com muitos ferimentos: os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. O gesto heróico iria marcar o início do movimento tenentista, que teria presença avassaladora na vida política do país até a morte do último "tenente", o marechal Cordeiro de Farias, no início do governo Figueiredo. Mas este já é outro mosaico, o mosaico da vida política brasileira, para ser conversado em outro espaço.

AGORA SIM, NESTA FOTO DE 1932, O "CALÇADÃO", QUE AINDA NÃO TINHA A DIMENSÃO ATUAL NEM ERA TRATADO COM O AUMENTATIVO ÃO, FOI REFORMADO COMO CONVÉM, COM AS ONDAS NO SENTIDO PARALELO AO MAR.
                                          A FOTO É DE1932, A CALÇADA JÁ ESTÁ MODIFICADA.

Para concluir, vale observar que o primeiro calçamento de "ondas", criado e executado pelos calceteiros portugueses, não levava em consideração as ondas da praia, ignorando o padrão conceitual de dar-lhes "continuidade" ao movimento das ondas. Ao contrário, as "ondas" do desenho original eram modestas em sua curvatura e perpendiculares às ondas do mar.


O paralelismo só foi adotado no início dos anos 30, depois que mais uma ressaca das grandes arrebentou com boa parte do piso. Mais pra frente, durante a grande reforma dos anos 70, que duplicou a pista e a extensão da praia, o paisagista Roberto Burle Marx assumiu a responsabilidade de refazer a orla
 
                                                                            Foto é da primeira década dos anos 20
 
 


No calçamento junto à praia o paisagista teve o bom senso de manter o mesmo desenho de curvas, sugerindo o paralelismo às ondas do mar. Apenas sensualizou as curvas, ampliando-as até o limite do calçadão.
Com o alargamento da Avenida Atlântica, que ganhou duas pistas de tráfego e um canteiro central, Burle Marx ocupou todos os espaços das calçadas, elaborando desenhos tanto para o calçamento junto aos prédios quanto para o piso da área central da pista.


                                                                           Burle Marx inovou na Avenida Atlântica      

 
DESENHO ORIGINAL DE BURLE MARX PARA A ATLÂNTICA
VISTO DE CIMA AINDA É MAIS BONITO


VEJA ABAIXO: FOTO RECENTE (2009) QUE OBTIVE DURANTE O REPARO DE UMA ÁREA DO CALÇADÃO DA AVENIDA ATLÂNTICA POR FORÇA DA CONSTRUÇÃO DE NOVOS QUIOSQUES NA ORLA. DESDE 1905, A MANEIRA DE TALHAR A PEDRA E DE CALÇAR É ABSOLUTAMENTE A MESMA.
calceteiro conserta piso na av. Atlântica, em Copa


Fontes


Livros:

"Olhar o chão", Editora CAsa da Moeda, Lisboa. (Ana Cabrera, Marília Nunes e Henrique Dias), 1990

"Mesmo por baixo dos meus pés (uma viagem pela Calçada Portuguesa)", de Ernesto Matos, Edição de autor, 1999

"Catálogo Panorama", da Bisazza Mosaico

sites: http://www.jornaldapaisagem.com.br/artigos/set_art-001.htm

Burle Marx: O Brasil nas calçadas de Copacabana por Edgardo Mário Ruiz

Fotos:

Piso do Castelo de S. Jorge, Lisboa, 1842

Praça dos Restauradores, Lisboa

Fragmento de piso de calçada com pedras multicoloridas, Lisboa

Marcha dos 18 do Forte, Copacabana, 1922

Curvas atuais do calçadão de Copacabana, Burle Marx

Vista de cima do calçadão de Copa próximo aos prédios, Burle Marx


VEJA ABAIXO: SÃO FOTOS DOS CANTEIROS NO CENTRO DA AVENIDA ATLÂNTICA, JUNTO AOS PRÉDIOS.

NASCEM DA CONCEPÇÃO NOVA QUE BURLE MARX DÁ AOS PISOS,ACRESCENTANDO O BASALTO VERMELHO ÀS PEDRAS BRANCAS (CALCÁRIO) E PRETAS (BASALTO TAMBÉM).

NA ORLA, JUNTO ÀS AREIAS, O GENIAL ARTISTA TEVE O BOM GOSTO DE MANTER OS DESENHOS ORIGINAIS DOS CALCETEIROS PORTUGUESES, AMPLIANDO SUAS POSSIBILIDADES MEDIANTE UMA SENSUALIZAÇÃO MAGISTRAL DAS CURVAS E MANTENDO O PARALELISMO DAS ONDAS, COMO CONVÉM.

O canteiro central: novas ondas de Burle Marx


BURLE MARX AMPLIOU AS ONDAS NOS ANOS 70
BURLE MARX INTRODUZIU A PEDRA VERMELHA


                                                           A PEDRA VERMELHA TAMBÉM É BASALTO, ASSIM COMO A NEGRA


Os calceteiros portugueses que fizeram as calçadas da Avenida Rio Branco entre 1905 e 1908 também pavimentaram a área em frente ao Teatro Municipal, depois conhecida por Cinelândia. O piso original foi mantido por muitas décadas. Ao final dos anos 90 e início do século XXI, o prefeito César Maia modificou o calçamento da Cinelândia e de muitas outras áreas públicas do Rio de Janeiro, dando uma feição mais moderna às calçadas, mas fazendo uso, também, das velhas e práticas pedras portuguesas.

                                                                       CINELANDIA POUCO APÓS SUA CONSTRUÇÃO
 
                              CINELÂNDIA HOJE. PISO INTRODUZIDO POR CESAR MAIA
 
 

               
Um artigo de Cora Rónai sobre as pedras portuguesas no Rio de Janeiro


Transcrevo abaixo um texto antológico sobre a questão das pedras portuguesas no Rio de Janeiro redigido pela brilhante jornalista Cora Rónai, nas páginas de O Globo de 14 de maio de 2009. Trata-se de um texto definitivos com argumentos sobre a importância do calçamento em mosaico e a necessidade de sua preservação. De tão importante, tirei uma cópia e a entreguei pessoalmente ao arquiteto Alfredo Gastal, correto e competente diretor do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico, em Brasília, DF.

(HGougon, 18 de maio de 2009




ON THE ROCKS

Volta e meia, as nossas calçadas de pedras portuguesas ficam sob fogo cruzado. 0 argumento é sempre o mesmo: o perigo que a falta de manutenção representa para os transeuntes. Mas, se o problema é a manutenção, por que tirar as pedras? 0 que leva alguém a supor que uma cidade incapaz de manter um calçamento de pedras portuguesas será capaz de manter um calçamento de qualquer outra coisa?

Já vimos este filme durante o Rio-Cidade, quando almas iluminadas tiraram as pedrinhas da Avenida Copacabana, substituindo-as por materiais supostamente mais resistentes. Hoje, passados 15 anos, sofremos com as consequências: não há nada mais feio, pobre ou antigo do que aquele cimento. Será que é isso que queremos para a cidade toda?!
Não sei se vocês se lembram, mas, na época, enquanto desqualificava as pedrinhas na Zona Sul, a prefeitura construía, na Ilha do Governador, mais de 15 quilômetros de calçadas... em pedra portuguesa! Coerência, para que vos quero? O pior é que estou convencida de que as pedras removidas em Copacabana foram revendidas, a peso de ouro, para a obra da Ilha; mas isso são outros 500. Ou 500 mil. O fato é que, ao contrário do que gostam de pregar seus detratores, os mosaicos são uma excelente forma de calçamento, que vêm provando seu valor há milhares de anos. Variações das nossas calçadas usadas na Mesopotâmia, no Egito e na antiguidade greco-romana sobreviveram a toda espécie de desastre e podem ser vistas até hoje. É verdade que, no máximo, enfrentaram terremotos e erupções de vulcões, e não administrações do Cesar Maia; mas, ainda assim...

Duvido que outras formas de calçamento se conservem tão bem através dos séculos. Para ter idéia de como se comportam atualmente, basta ver as ruas lindas e impecáveis de Lisboa, onde é quase impossível, se não impossível de todo, ver pedra fora do lugar.

O diretor-adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Cristóvão Duarte, também pensa assim. Em artigo publicado no site do GLOBO no último dia 28, ele aponta, entre as vantagens dos mosaicos de pedras portuguesas, a sua imbatível flexibilidade, que permite acompanhar os menores declives do terreno e todas as formas geométricas encontradas pelo caminho; a economia do sistema, que reaproveita sempre o mesmo material, e dispensa o uso de cimento (basta que as pedras sejam assentadas bem próximas umas às outras, e não de qualquer maneira, como se faz aqui); a praticidade do assentamento, que pode ser aberto para obras subterrâneas e fechado em seguida com um mínimo de barulho e transtorno; e a sua capacidade drenante.

Esse é um ponto particularmente interessante. As pedras são (ou deveriam ser) assentadas sobre uma camada de areia que, por sua vez, recobre um solo compactado e devidamente preparado para drenar as águas superficiais. Ou seja: choveu, a calçada se enxuga rápido e sozinha. Para isso, porém, as pedrinhas devem ser instaladas como manda a boa técnica, sem uso de cimento ou aderentes. A única "desvantagem" das pedras portuguesas em relação aos outros tipos de calçamento é o custo. Elas são muito mais baratas e, por conseguinte, muito menos lucrativas para quem faz as obras. Nós sabemos o que significa o custo Brasil, mas, sinceramente, já estava na hora de isso mudar! Muito melhor e mais barato do que desfazer todas as calçadas e enfear o Rio era criar um curso permanente de calceteiros, que formasse mão de obra especializada no assentamento de pedrinhas. Fazendo a coisa certa, em breve poderíamos até exportar know-how, já que, por acaso, temos as calçadas mais famosas do mundo. No mais, é como diz o professor Cristóvão:

"Uma cidade precisa ser construída e reconstruída todos os dias, pedrinha por pedrinha, tal como os mestres calceteiros nos ensinaram ao longo da História das cidades. A força de cada pedrinha decorre da força do sistema como um todo, gerado pelo fato de todas as pedrinhas compartilharem, solidárias, o mesmo projeto de cidade."

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